segunda-feira, 16 de maio de 2011

Só a Deus

Até bem pouco tempo, eu era um ser livre. Vivia por aí, de galho em galho, devorando frutas e cantando, quando vontade me dava. Com nada precisava me preocupar, porque Deus havia me presenteado o céu. Peregrino eu era: na primavera, aqui - no verão, acolá. Mas um dia a desgraça recaiu sobre mim. Fui enganado, covardemente enganado por uma cesta de frutas tentadoramente perigosa. Minha barriga rongava.  De pulinho em pulinho, esse meu jeito de caminhar, fui até lá, mas não pude me esbaldar, porque logo uma estranha floresta de gravetos acercou-se de mim. Gritei, gritei, gritei. Mas ninguém me ouviu. Me jogando contra aquelas árvores magrinhas, tentei derrubá-las, mas uma força maligna as mantinha de pé, fortes, inabaláveis, apesar da aparência frágil. Cheguei à exaustão, e com ela a noite. Como se o dia também estivesse cansado, ele se desfez em crepúsculo. Adormeci e sonhei que era capturado. Acordei. Não era sonho. Agora uma estranha criatura sem pêlos, que caminha sobre duas patas, me carregava. Tentei lhe perguntar para onde íamos. Não me respondeu; ou era mouco ou não entendia meu idioma.
Fui levado para um lugar ainda mais sinistro. Lá, outros companheiros também haviam sido capturados. Não pareciam abatidos - pelo contrário, até cantavam. Perguntei-lhes como podiam se submeter àquela situação.
 - Até que essa vida não é tão má, respondeu-me um sabiá de coleira. Aqui não nos falta comida e não precisamos nos preocupar em sermos devorados por algum predador sorrateiro qe venha nos surpreender na hora do sono.  Podemos ficar tranquilos.
Eu jamais ficaria tranquilo, estando preso naquela coisa esquisita..
Com o passar dos dias, comecei a sentir falta de minha antiga liberdade, tão drasticamente reduzida. Ficar saltando de um puleiro a outro não era o mesmo que que saltar de galho em galho, nem comer alpiste era tão bom quanto bicotear mangas madurinhas. Como em protesto, deixei de cantar; nunca mais ouviria-se a beleza de minha voz nas manhãs ensolaradas. Só a Deus eu cantaria. Só a Deus.

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