domingo, 23 de janeiro de 2011

A tempestade

Era tarde da noite e chovia torrencialmente quando ela me ligou. A princípio achei que fosse algo urgente. Mas era da chuva que ela tinha medo. As gotas gotejando em seu teto feito metralhadora ameaçavam levá-lo abaixo. Pedi que se tranquilizasse. Não adiantou. Ela queria por que queria que eu fosse até sua casa para dar um jeito naquilo. Eu não estava disposto a lavantar da cama e encarar a noite gélida que me aguardava lá fora. Sem meias-palavras, disse-lhe que não podia. Ela entrou de vez em pânico. Então iria deixá-la morrer sob os escombros do teto de seu quarto?
- Pelo amor de Deus, mulher! Nada vai acontecer.
Mas eu não estava lá para ver. As gotas eram como soldados marchando firmemente - poc, poc, poc.O teto gemia como se dissesse "não posso mais". Uma tragédia iria acontecer se eu não aparecesse logo, iria! No dia seguinte a tv e os jornais impressos estariam repletos com a trágica notícia de sua morte.
Antes disso, porém, a tempestade havia cessado, tão súbita quanto surgira. Ficamos a telefone - eu aqui, aliviado por não precisar abandonar minha cama, ela do outro lado, aliviada de não estar morta.

Sem motivos para lamentar

A uma hora dessas ele deve estar morto. Sei que deveria me lametar, mas não encontro forças para isso nem motivos. Me pergunto se um dia fomos amigos. Vivemos coisas juntos,  isso é certo. Mas que importância tiveram todas essas coisas? Rimos, choramos, brigamos, vivemos. Agora ele está morto e, por mais que tente, não encontro razões para lamentar.

O escritor brasileiro

Aciama de tudo, eu admiro o escritor brasileiro. Ele vive como um brasileiro. Ele pensa como um brasileiro. Ele respira como um brasileiro. Eu sinto a alma do Brasil nas crônicas do Rubem Braga, nas palavras de Machado de Assis. Encontro o jeito brasileiro de mar nos romances de Clarice Lspector. E o que não falar de Maria Helena Cardoso, irmã do escritor mineiro Lúcio cardoso, que, apesar de não se considerar escritora, como nos encantou com sua arte singela de contar! Longe de se deixar levar pela moda estrangeirista, o escritor brasileiro é um autêntico brasileiro, porque faz a gente enxergar as maravilhas com as quais Deus abençoou o nosso Brasil.

Eh vida vadia!

Honoré sempre foi bicho solto. Nunca mulher alguma foi capaz de laçá-lo com o feitiço do seu sexo. Era de todas e todas lhe pertenciam. Essa era a democracia. Para que privatizar as coisas boas da vida? O motivo da infelicidde de muitos casamentos é a monotonia: casa, trabalho, cama, sexo. Os filhos dão orgulho até aos doze anos. A partir dos treze a filhina está preocupada com o tamanho de seus limõezinhos e o menino, sem aviso prévio, perde a virgindade. Daí para a maturidade ainda faltam leguas e léguas, pois a juventude dos atuais dias regressa. Honoré está longe de querer tanta dor de cabeça para si. Antes as pastagens de uma vida vadia do que as preocupações de um pai de famíla. Eh vida vadia! Eh vida alegre!

sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Extraído de um diário qualquer

Sei que já devo ter dito isto um trilhão de vezes, mas não custa nada repetir: amo você. Amo você com a força de um grito. Amo você  como se o agora fosse o para sempre. Amo você como a insensatez do tempo perdido. Ma às vezes sou burro e sem querer acabo magoando você. Meu egoísmo me faz querê-la a todo instante, e esqueço por completo que você também vive, que tem os seus motivos para dizer não, que tem os seus contratempos. Quero, acima de tudo, que você um dia seja feliz, e se da sua felicidade depender a minha ausência, então sairei da sua vida para sempre.

segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Um abraço

Ele estava urgentemente precisando de um abraço, mas não sabia a quem recorrer. Julgava-se sozinho no mundo, como em uma ilha deserta. Experimentou várias categorias de abraço. Abraçou árvores, postes, animais, pedras e até mesmo o próprio nada. O vazio que sentiu foi ainda mias angustiante. Trancafiando-se no quarto, chorou dias e dias até que quando saiu não era mais o mesmo. Não queria mais saber de abraços, coisa que tanto o fizera sofrer. Agora viveria independente das coisas que faziam das pessoas frágeis mascotes dependentes. Frequentemente presenciava alguém aos abraços, mas aquilo pouca ou nenhuma emoção lhe causava. Era uma pedra, um pedaço de madeira, como todos os objetos ao qual se entregara e não fora correspondido.
Mas um dia, ao acordar, sentira algo diferente. Recusava-se pensar que algo de novo havia se dado, pois habituara-se a uma vida estática, onde tudo era previsível. Embora nada o surpreendesse, aquilo o estava deixando intrigado.
Saiu de casa para fazer compras e a sensação estranha tornou-se ainda mais intensa quando, por acidente, enquanto escolhia algumas frutas da gôndola do supermercado, sua mão tocara o braço de uma bela mulher a seu lado. Os dois trocaram olhares, constrangidos. Então ele entendeu tudo: estava apaixonado.
Foi para casa pensando na moça. Qual era seu nome? Onde morava? Devia ser nova na região, pois nunca a tinha visto ali antes. Ruminou-se com questões infindáveis o resto do dia.
Na manhã seguinte, voltou ao mercado mesmo sem necessidade. Não encontrou a estranha, o mesmo se dando no dia seguinte,e no outro, e no outro. Decepcionaddo, não quis mais saber da senhora Fulana de Tal e passou a fazer compras em outro lugar.
Foi quando , ao final de uma tarde qualquer, ele encontrou debaixo de sua porta um envelope comum, provavelmente contendo uma carta manuscrita. Desconhecia o remetente, porém desconfiava quem fosse. Sentou-se na poltrona maior da sala e abriu o envelope. Não havia se enganado.
A carta era breve, parecia querer economizar as palavras:

"Não sei o que você tem de especial, mas tê-lo visto pela primeira vez desencadeou uma revolução na minha vida. Eu estava cançada de tudo: da vida, do meu emprego, dos homens... Mas quando lhe encontrei senti uma coisa estranha revirar dentro de mim. É com espanto que admito: estou apaixonada por você!"

Atenciosamente, 
Amélia Grimbal

Pensara em responder imediattamente, mas hesitara. Como aquela estranha havia descoberto seu endereço? Podia ser uma golpista. Não tinha muito, admitia, mas o pouco que possuía era o bastante para despertar a cobiça de interesseiros.
Muinutos mais tarde, ao sair para jogar o lixo, percebeu uma movimentação na casa vizinha, que ficara anos abandonada. Um tanto incrédulo, ele constatou que sua  nova vizinha era Amélia Grimbal.
Ficou um longo tempo parado no meio da calçada, como uma estátua pública; mais um pouco e teria pombos defecando em seus ombros. Enfim decidiu-se que iria falar com a mulher, a pretexto de dar-lhe boas vindas. Suspirou fundo e arriscou um passo, depois outro, mais outro. Seucoração batia alucinadamente quanto mais se aproximava. Antes que alcançasse a varanda da casa vizinha, a porta abriu-se para ele, revelando a mais bela de todas as criaturas: um anjo de cabelos ruivos e pele clara, olhos verdes e intensos. Todas as palavras que até então vinha ensaiando na cabeça escoaram-se ralo abaixo. Tinha que fazer alguma coisa depressa.
Poprem não foi preciso. Com os olhos marejados a mulher atirou-se sobre ele e o abraçou intensamente, quase desesperadamente, a ponto de sufocá-lo. Enfim alguém o abraçava. Enfim experimenteva um abraço verdadeiro.



Noite feliz

Era 25 de dezembro quando ela descobriu que nem todo mundo tinha uma árvore de natal para enfeitar. Havia gente revirando latões de lixo enquanto ao lado, no aconchego de uma manção luxuosa, uma família inteira se fartava com todas as guloseimas específicas da época. Achava injusto que Noel não atendesse a todos, e sentiu pena do mendigo esfarrapado que dormia numa calçada imunda logo ali, enrolado em cobertores retalhados que mal o protegiam do frio. Quando encontrou coragem para perguntar: "O que o senhor gostaria de ganhar no Natal?", ele respondera rispidamentte: "Dez reais e um litro de cachaça". Deus!, o que se fazia com dez reais e um litro de cachaça? Foi então que ela entendeu: o homem moldado pela desesperança muitto dificilmente vai encontrar forças para se erguer do poço onde caiu.

sábado, 15 de janeiro de 2011

O sobrevivente

De repente, aquele rebuliço. Alguém soltou um pum. Todos são suspeitos, mas ninguém ousaria se entregar. Geralmente o peidão é o primeiro a fazer a denúncia, o que imediatamente o torna suspeito, mas não devemos acusar sem provas. Então todos ficam em silêncio, numa cumplicidade mútua, até que a catinga torna-se tão insuportável que não é mais possível respirar. Todos vão embora, mas o peidão continua lá, sobrevivente de velhas batalhas.

A questão crucial

Uma vez um guri me perguntou de que era feito a água.

 - Moléculas, respondi.

- E as moléculas?, ele insistiu.

- De átomos.

 - E os átomos?

- São pequenas bolinhas  que ninguém consegue ver. Dentro dessas bolinhas  existem bolinhas ainda menores, e depois mais nada.

O garoto não pareceu muito satisfeito com a resposta que teve. Enfiou as mãos nos bolsos, fixou  o chão atenciosamente, como se tivesse deixado alguma coisa cair. A questão crucial ainda não havia sido respondida:

- E Deus, onde fica nisso tudo?

sexta-feira, 14 de janeiro de 2011

Histórias de avó.

Para Edite Procopio Martins, minha vovó. 

Vovó lá em casa era uma alegria. Toda vez que chegava, carregando enormes sacolões, sabia que trazia alguma coisa especial para nós. Quase sempre estava certo. Eram carrinhos, bonecas e cavalinhos de plástico ou de madeira que faziam a nossa felicidade. Para as meninas, roupinhas de boneca confeccionadas por ela mesma. Não tínhamos que disputar para saber quem ficava com o melhor brinquedo. Vovó sabia exatamento de que seus netinhos mais gostavam.
Sentávamos todos ao redor dela para ouvir as histórias que sempre tinha para contar. Sua vida de menina era tão fascinante que mais parecia coisa de filme. Também um dia gostara de ganhar brinquedos, e sua avó, assim como ela, tinha costume de presentear ( portanto aquela prática era uma tradição que há muito ela vinha preservando, para a nossa alegria); porém os brinquedos que ganhava quase sempre eram brinquedos usados, doados por alguma alma caridosa. A vida naquela época não era nada fácil. Brinquedo novo era um luxo com o qual não podiam contar.
Quando criamça, vovó teve de trabalhar na lavoura com o pai, acordando diariamente antes do alvorecer (hábito que ainda hoje conserva, mesmo sem necessidade), o que não lhe roubava o direito de ser criança. Sua brincadeira favorita era correr. Corria a fazenda de cabo a rabo, pés descalços, cabelos soltos ao vento. O pai não ralhava. Era bom que a filha nunca perdesse o ânimo. Iria precisar dele mais tarde, quando tivesse a prórpia família.
Uma das coisas que mais lhe metia medo era o Curupira. Ouvira dizer que ele era uma criatura horrenda, de pés virados para trás, cabelos vermelhos como fogo; tinha mania de se entocar na mata e pregar peças em caçadores cruéis que caçavam sem necessidade. Morria de pavor só em pensar que pudesse se deparar com ele numa de suas andanças pelo matagal.
Depois de nos contar suas histórias, vovó preparava bolos quentinhos, quentinhos, e nos servia com uma caneca de chocolate fumegante. A hora de sua partida era uma tristeza. Agarrávamo-nos às barras de seu longo vestido azul para que não se fosse, mas de nada adiantava: vovó sempre acabava indo embora.

Vista para o mar

Ele estava contruindo seu castelo na areia quando veio uma onda mais forte e arrastou tudo com uma única lambida. Ficou zangado, xingou, mas minutos depois estava novamentte em sua empreitada, e outra onda ainda maior desfez seu trabalho mais uma vvez.
- Por que não tenta longe da água?, sugeriu-lhe o pai, que vinha assistindo a todo o sofrimentto do filho.
- Não posso.
- Como não pode? Tem um espaço bem grande ali, o pai insisstiu, apontando um lugar tentador; porém o menino continuava a construir seu castelo junto às ondas da praia. Depois de massagear a areia algumas vezes, dando toques finais à construção cilíndrica e tortuosa, ele respondeu sem olhar o pai:
- Daí ninguém pode ver o mar.

Isto

Vou ser sincero com você: neste exato momento não sei o que contar. Me vêm na cabeça mil e uma histórias fantásticas, aventuras incríveis vividas por criancinhas sapecas e curiosas, mas no momento em que devo colocá-las no papel, tudo me escapa. Resolvo espremer os miolos um pouco mais, numa tentativa de extrair suco de laranja, e então me vem isto. Com isto eu revelo palavras escondidas no subsolo das ideias. Nisto eu me dedico horas e horas madrugada adentro, enquanto o sono não me abraça e me leva para o reino encantado dos lençóis  de algodão e dos travesseiros de nuvem. Por meio disto eu admito que estou no ponto de partida: não sei o que contar a você. 

Palavras verdadeiras.

Eu estava escerevendo quando me perguntaram sobre o que escrevia.
- Não sei, respondi, ao que meu indagador ficou surpreso.
- Como assim não sabe?
- Simplesmente não sei. Vou lançando palavras à toa sobre o papel até que me sai uma coisa bonita. Às vezes até eu mesmo me surpreendo. Mas outras vezes fico furioso e desfaço em mil pedaços o manuscrito que não teve culpa de ser ruim. Se pensasse bem antes de escrever, talvez sempre me saísse coisa boa, mas não me imagino pensando, não é assim que funciona. Meu corpo é quem manda: se meu coração tem vontade de escrever, então escrevo. Você já devia saber que o nosso coração envia muito mais mensagens ao cérebro do que o inverso, e quando o inverso ocorre, mal notamos, porque são mensagens sutis: "sinta medo!", "continue pulsando!". Você não percebe quando isso acontece, não de imediato; leva algum tempo para notarmos o corração trabalhando e, a menos que pousemos a mão sobre o peito, jamais o sentiremos. Agora, quando ele diz a meu cérebro: "escreva!", a mensagem é prontamente atendida, pois meu braço torna-se uma ferramenta de palavras. A vantagem de estar escrevendo à mando do coração é que da minha pena sempre sairão palavras verdadeiras.

quarta-feira, 12 de janeiro de 2011

O móvel estranho

Sempre desconfiei que meus vizinhos escondessem um segredo comprometedor. Estavam sempre de cortinas cerradas, mal saíam durante o dia e quando saíam era algo tão repentino que minutos depois você ficava se perguntando se aquilo de fato acontecera ou se fora obra de sua imaginação. Talvez fossem foragidos da polícia, vivendo sob identidades falsas, ou terroristas que planejavam um ataque em larga prorporção - era difícil saber. Pelo sim ou pelo não, ali estava uma coisa que deveria ser investigada.
Passei dias trepado na goiabeira do meu quintal, lugar estratégico de onde eu podia ver toda a movimentação da casa vizinha. Porém nada mais suspeito do que eu já suspeitava acontecera. O dia deles era monótono, tanto que uma hora acabei entediado e desci da árvore. Mas foi justamente quando algo aconteceu. Voltei para o meu posto de observação e agucei todos os sentidos. Um som estranho vinha de uma das janelas da casa. Parecia ser de uma canção, mas não daquelas tocadas em rádio; era mais viva e mais bonita, como se possuísse alma prórpia. Tentei me aproximar um pouco mais, escalando os galhos mais altos, até que a árvore não aguentou o peso excedente e juntos fomos ao chão. Quando me recompus, estava no terreno vizinho. Entrei em pânico. A música havia sido bruscamente interrompida minutos depois de me encontrar naquela situação; alguém havia notado minha presença. Corri de um lado para o outro feito barata desnorteada, não encontrando moita ou montinho de terra onde pudesse me refugiar. Decidi me render quando abriram a porta dos fundos e me flagraram. Uma bela mulher  sorriu e perguntou meu nome. "Eugênio", menti descaradamente. Num instante ela ficou séria, como se houvesse desmascarado a mentira, mas pouco depois voltou a sorrir e me convidou para entrar. Havia preparado alguns docinhos.
Levei algum tempo até decidir o que faria: se permanecia onde estava, parado, feito uma estátua ridícula, ou se a seguia. Não fora exatamente daquela forma que João e Maria haviam sido enganados pela Bruxa? Mas aquele não era um conto de carochinhas -  era a vida real, palpável, lúcida, vivível - e na vida real  poucas coisas eram possíveis. Você poderia ser atropelado por um carro ou mesmo ser vítima de um atentado, mas nunca seria devorado por uma bruxa ou enfeitiçado por alguns docinhos encantados. Se ainda me restava alguma dúvida a respeito do caráter daquela moça, essa dúvida foi totalmente dissipada pelo irresirtível aroma de bolo fresquinho que vinha da cozinha.
Fui conduzido casa adentro, cômodo após cômodo, pela mão fria da moça que me prendia pelo braço. Vendo de perto os móveis (quase podendo tocá-los de tão próximos, não fosse o receio de quebrá-los) eles agora me pareciam menos suspeitos; não passavam de móveis comuns, muitos até bem parecidos com os de casa. Mas ao passar pela sala de visitas, um móvel estranho me deteve a atenção, fazendo-me estacar a poucos metros dele. A moça sorriu gentilmente e perguntou se ainda queria os biscoitos. Diante do meu silêncio ela se dirigiu ao móvel e sentou-se numa banqueta atrás dele. Em poucos minutos começou a arrancar de suas entranhas sons tão harmoniosos que por um instante imaginei estar no paraíso e  que a moça fosse uma fada, não mais a bruxa que eu temia. As mesmas notas que me atraíram até ali agora juntavam-se  formando uma melodia que emanava do móvel estranho e propagava-se por todo o ambiente, como uma fonte de prazer. Sentei-me no chão e fechei os olhos para absorver melhor toda aquela maré de êxtase. Era o que fazia quando queria tornar  minha alguma coisa nova. Imaginava que era o dono daquilo e desfilava na rua, pomposo, só para fazer inveja à molecada.
Mas de súbito a música cessou, como um sopro interrompido, e tive de abrir os olhos novamente. Mergulhada no silêncio, a casa voltou a assumir sua antiga forma de mistério. Senti as mãos delicadas e frias da moça tocarem meus pulsos. Ela havia sentado-se diante de mim, no assoalho. Seus olhos lustrosos fitavam os meus. Pude então perceber que havia chorado... e muito, tanto que a ponta de seu nariz estava vermelha. Após um longo silêncio de intensa contemplação, enfim ela me confessou com um ar pesaroso que partiria em breve, nunca mais voltaria.Se quisesse, eu poderia ficar com o piano. Ela o deixaria como um presente para mim.       
Em algum lugar da minha consciência  eu sabia o quanto de eternidade carregavam as palavras "nunca mais"; era muito pior que um mero adeus ou um "até logo". Porém estava tão absorto com o eco da canção ricocheteando nas paredes da minha memória que não pude me dar conta da gravidade de tudo aquilo.
Passei dias aéreo, reproduzindo monótonamente a velha canção em minha cabeça. Quando voltei à realidade, meus vizinhos haviam partido. Conforme  prometido, a moça deixara o móvel estranho. Solitário no meio da sala, mais parecia um objeto fantasmagórico. Nunca mais ouviria fluir música de suas entranhas, e nunca mais eram palavras que carregavam em si um tempo que não podia ser cronometrado. Levou anos até que eu esquecesse tudo e voltasse a ter uma vida normal.

A breviedade da vida

Morreu pouco depois de ter nascido. Como se ainda não bastasse tamanha desventura, ainda cedo perdera a mãe, que partira num dia qualquer, cansada da vida monótona e tranquila que levava. Mas nem por isso viveu sem felicidade. Embora o amor maternal houvesse lhe sido roubado, encontrou em uma pequena família o amor adotivo necessário para sorrir, fazer estripulias, brincar com a molecada da vizinhança. Era um menino barulhento, e quando calou-se por um dia inteiro soube-se  que havia algo errado. Levaram-no ao médico para descobrirem o que já temiam: uma doença mortal que carregava desde o berço em estado latente havia se manifestado, de modo que que nada poderia ser feito, não havia no mundo remédio ou paliativo que pudesse curar ou mitigar seus males. O prognóstico, porém, estava equivocado; havia sim algo que poderia ser feito: o amor da família e dos amigos poderia aliviar o sofrimento do menino.
Em sua última semana de vida foram-lhe concedidas todas as regalias que até então haviam lhe sido negadas. Pôde brincar com terra sem medo de uma reprimenda. Pôde comer quantas goiabas e azeitonas e doces em compota lhe foram possíveis, até que se sentisse tão empanturrado que não conseguiu mais levantar-se, ficando ao pé de uma mangueira o resto do dia. A árvore, carregada de frutos amarelinhos, era uma tentação a que ele não teria resistido, já não estivesse satisfeito.
Às nove da noite foi-se deitar, como era costume e obrigação imposta pelos pais. Foi-se deitar para sempre. Nunca mais acordou. 

O descobridor

Quando nasceu, sua primeira grande descoberta foi o mundo. Tudo queria tocar, tudo queria sentir, como se numa tentativa louca quisesse fazer parte de tudo. A expectativa de algo novo o excitava de tal modo que  era capaz de num momento fazê-lo explodir em garaglhaddas ao observarr um pásssaro ensaiar seu primeiro voo, e noutro abrir-se em choro descontrolado ao ver que imediatamente o pobre passarrinho era devorado por um gavião. O quante não precisava de razão para ser quente. Aprendera a evitá-lo através de experiências, ainda não havia descoberto a secura dos conceitos.
Depois de um tempo descobriu que, embora o mundo fosse grande (quase ilimitado), nem tudo lhe convinha; estava sujeito à lei da gravidade, que fazia com que se esborachasse no chão toda vez que se atirava de alguma janela - e se ultrapasssava seus limites, mamãe lhe dava umas  chineladas. Mal sabia que aos poucos  experimentava o que mais tarde tornaria triste sua vida adulta: regras. Tinha horário para dormir, guardar os brinquedos e em breve também teria horário para voltar da farra.
Porém sua mais maravilhosa descoberta fora o amor. Este não era algo palpável, colorido ou salgado (sequer poderia ser considerado como algo), mas fazia com que sentisse um friozinho na barriga toda vez que se via apaixonado.
Como as outras experiências, sua primeira impressão do amor logo foi desmanchada. Descobriu, enfim, que tudo na vida tinha um custo (principalmente o amor, se este incluía uma família e contas para pagar). Mas estava satisfeito. Em breve os filhos fariam descobertas tão facinantes quantos as suas, e não importava se iam ter decepções; o que importava mesmo era que no fundo de cada gaveta sempre se escondia um pouco de felicidade. 

Reino encantado

Para Michele Oliveira.

Uma vez ela me perguntou se fadas existiam. Eu não sabia como responder a uma criannça de seis anos sem decepcioná-la. Não podia destruir suas fantasias, mas também não achava certo fazê-la acreditar em mentiras. Não, eu não acreditava em fadas (definitivamente não), assim como também não acreditava em anjos e Reino Encantado. Sei o que você deve estar pensando agora: "Seu monstro!" Sim, eu sou um monstro. Mas pergunte a si mesmo: você ainda acredita nas mesmas coisas quando criança? Ainda acha que uma fada virá buscar seu deite de leite debaixo da cama e deixar uma moedinha ali como recompensa? Todos nós abandonamos nossas fantasias infantis quando começamos a ocupar nossas cabeças com o primeiro amor, o casamento, os filhos, as dívidas. Esse mundo quimérico aos poucos vai-se apagando, até restarem apenas as cinzas da lembrança.
Uma dia eu acreditei em ogros, gnomos e duendes; acreditei em Papai Noel como qualquer outra criança, e uma vez até lhe escrevi uma cartinha, porém nunca fui atendido. Morria de medo do escuro, porque achava que era onde morava o bicho Papão. Qualquer luz apagada era uma deixa para ele atacar. Apavorava-me pensar que dentro do meu guarda-roupa pudesse residir um monstro horrendo, esperando para me atacar na hora mais vulnerável: quando eu estivesse dormindo.Papai e mamãe tiveram boa parcela de culpa nisso. Quando não tinha sono e queria ficar acordado até tarde, lá vinham eles com as intimações: "Olha, cuidado que o bicho Papão pega criança que não quer dormir cedo!" Eu estremecia dinate dos olhares sugestivos que me lançavam.
Não iria fazer o mesmo àquela menininha. Ela precisava saber que no mundo existiam coisas reais e coisas inventadas, e que para o bem de todos era melhor viver no mundo real, porque as coisas inventadas poderiam ser perigosas.Mas ela não quis me dar ouvidos. Bateu o pé, cruzou os braços e inflou as bochechas com todo o ar que lhes cabiam. "Fadas não são ruins", contra-argumentou ela." E no ReinoEncantado tudo é mais bonito. Lá não tem poluição, nem assalto, nem morte. Ninguém lá precisa ter medo de acidentes, porque lá não tem trânsito - aliás, ninguém lá precisa de carro, porque todo mundo tem asas. Não existe fome, porque a comida é de todo mundo. Não existe guerra, porque não existe motivo para não existir paz. As crianças duendes não precisam se preocupar em sujar as mãos na terra, os pais delas até incentivam que cavem buracos. Quando a noite vem, ninguém fica triste. Todo dia é uma festa."
Tive que me render aos fortíssimos argumentos daquela menina. Às vezes é muito melhor viver mergulhado num mundo de fantasias do que viver reclamando da vida ou dos infortúnios. As crianças são privilegiadas por ainda não terem experimentado a vida adulta. Quem dera eu ainda fosse criança. Mas minhas fantasias foram destroçadas pela dura realidade das coisas que existem no mundo que existe.

terça-feira, 11 de janeiro de 2011

O último encontro

A noite estava majestosa quando Eliete desceu as escadas apressada, pulando dois degraus de uma só vez. Seu coração palpitava de felicidade mais do que de exaustão; na verdade, mal notava o esforço que fazia para alcançar o andar inferior antes que a campanhia cessasse de tocar.  Abriu a porta e quase em seguida saltou no pescoço de seu amado. Ele recendia a sabonete masculino. Ainda não notara o arranjo de flores que ele lhe trazia às costas. Gustavo tinha muito dessas delicadezas. A cada novo encontro ele a surpreendia com algum agrado: uma caixa de bombons, uma única rosa vermelha que exalava por semanas um perfume memorável ou uma revista de modas que ela ainda não havia encontrado. Se perguntasse: "Como conseguiu?", ele fazia um ar de misttério e desconversava. Se insistia, abraçava-lhe e beijava como se aquilo bastasse para aplacar sua curiosidade. Quase sempre o último recurso funcionava.
Daquela vez Gustavo lhe trazia um buquê de tulipas. Porém o que mais surpreendia era o modo como estava vestido: impecavelmente. Eliete não fez perguntas, apenas tomou-lhe o braço quando este lhe foi oferecido e ambos saíram para o passeio habitual.
As ruas turbulentas não impediram que aquele fosse um momento mágico. As luzes, as buzinas, o dióxido de carbono e os xingammentos - nada existia, apenas Gustavo e seu perfume de sabonete masculino.
Foram para um dos poucos recantos sossegados que a civilização poupara de seus apartamentos e outdoors. A estrada por onde seguiam ainda era de terra batida, porém a prefeitura já tinha seus planos sobre ela e logo ela estaria movimentada por um intenso trânsito.
No alto de uma colina estacaram. Ao redor outros casais de namorados riam baixinho. Sentaram sobre a grama úmida. Adiante a lua pairava, majestosa, num mar salpicado de pontinhos brilhantes. Ali estava a estrela que escolheram para si, maior e mais brilhante. Tinham plena consciência de que centenas de outros casais já haviam adotado a mesma estrela, mas aquilo pouco importava. O mundo era de todos e ninguém ficava ofendido em compartilhar do mesmo oxigênio no interior de um ônibus lotado ou de um elevador.
Naquela noite Gustavo estava mais retraído que de costume, apenas admirando a tudo numa contemplção muda, quase doentia, o cigarro na ponta dos dedos já quase de todo consumido. Atirou-o na grama quando sentiu o pequeno ponto de brasa aitngir seus dedos. Então acendeu outro, deu uma tragada e deixou que o restante se consumisse por si só.
Eliete sorriu e pediu um cigarro.
 - Desde quando a senhorita fuma?
 - Desde agora.
 - Seus pais sabem disso?
 - Tô pouco me lixando pra eles.
Deu uma primeira tragada e quase não conseguiu conter o acesso de tosse. Gustavo explodiu em gargalhadas, mas logo procurou socorrer a namorada. Tomando o cigarro de sua mão, deu uma tragada como para mostrar o jeito certo de fazer.
 - Ora, não sou mais criança!, protestou Eliete.
Gustavo ofereceu-lhe novamente o cigarro. Ela recusou.
Momentos depois o silêncio reinava outra vez. Eliete pôde notar uma pequena ruga entre as sobrancelhas de Gustavo. Arriscou-se perguntar o que acontecia.
 - Nada, ele respondeu.
- Ninguém fica com essa cara à toa.
-Aí é que está. De pouco em pouco as pessoas vão abandondo suas identidades e adotando um padrão comum de comportamento. Existe o jeito certo de estar preocupado, de estar triste ou de estar alegre. Eu não sou assim. Tenho um jeito só meu para cada coisa, e garanto que neste exato momentto não estou triste, nem preocupado ou com fome. Simplesmente estou sendo eu.
Eliete achou por bem não chateá-lo com mais perguntas. Fingiu acreditar no que ele dissera. A verdade era que alguma coisa estava acontecendo sim, porém ele não iria abrir-se nem ela iria forçá-lo.
Ficou sabendo no dia seguinte que há semanas ele estava de malas prontas para uma viagem de intercânbio ao exterior, só aguardando a data marcada. Sentira-se exasperada por ele ter-se mantido sigiloso todo o tempo. Por acaso não a amava? Era evidente que não, do contrário sequer teria viajado, mesmo que para cuidar do próprio futturo.
Enfurecida, tratou de jogar fora todos os presentes que em dois anos fora recebendo diariamente.Não queria nada em seu quarto que fizesse lembrar Gustavo. Porém nunca esquecera o perfume nauseante que dele recendia na noite do último encontro. Tinha ímpettos de incendiar todo o supermerrcado quando saía para fazer compras com a mãe e lá encontrava uma prateleira repleta com o mesmo sabonete.

Presente de aniversário

Eunício estava impaciente. Andava de um lado para o outro, passinhos apressados, imitando gente grande. Em meia hora o bolo seria cortadado e Tino ainda não havia chegado. Quase implorou para que não se atrasasse, mas de nada adiantou.
Não era todos os dias que se fazia aniversário de oito anos. Eunício era quase um rapazinho - mais um pouco e alcançaria o irmão, de doze anos. Um mundo irresistível de possibilidades o aguardava. Não permitiria que seu melhor amigo não se fizesse presente num momento tão importante como aquele.
Faltavam quinze minutos quando começaram a chamá-lo: as velas seriam acesas. Não deu importância. Se Tino não estivesse ali não haveria festa alguma.
Os minutos transcorreram como décadas se arrastando. Nenhum sinal de Tino. Eunício já estava prestes a desisttir da festa quando sua mãe sentou-se do seu lado e tentou consolá-lo. Esperasse mais um pouco, o amigo chegaria logo. Talvez o carro dos pais estivesse preso num congestionamento: o trânsito estava horrível àquela hora. Eunício esboçou um sorriso e tentou se tranquilizar com as palavras da mãe. Mas no fundo, no fundo, ainda estava preocupado, e olhava anciosamentte o movimento da festa, esperando encontrar a cabecinha ruiva tão familiar transpondo a multidão de cabeleiras morenas.
Eram quase oito da noite quando enfim chegou. Um ar de alívio fez-se notar nas expressões de todos os presentes: finalmente o bolo seria repartido. Eunício de imediato foi abraçar o amigo, porém não recebeu o mesmo acolhimentto. Tino sequer abrira os braços para abraçá-lo. O menino olhou-o, então, e viu que seu semblante estava triste. Perguntou o que houvera. Foi à custo que Tino respondeu. Não havia encontrado um bom presente para um menino de oito anos, embora houvesse procurado em todas as lojas da cidade; sentiria vergonha se lhe desse outra vez um caminhãozinho de areia. Eunício abraçou-o antes mesmo que ele pudesse pedir desculpas, agindo pela primeira vez como um menino grande. Em seguida deu uma chocoalhada no amigo, em sinal de que estava tudo bem. Seu melhor a migo estava ali. Era o que bastava.

Receita para curar soluço

 1. Beber água

2. Beber água com o nariz tampado

3. Respirar num saco de papel

4. Pular sobre um pé só

5. Plantar bananeira

6. Deixar-se levar um susto

7 Esquecer que o problema existe e ir jogar uma partida de xadrez

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

Paixão por borboletas

Para Bruna Maira Martins, com amor.

Sua maior paixão eram as borboletas. Borboletas de todos os tipos ela admirava: brancas, pretas, brancas e pretas, azuis, lilazes... Mas negava-se a se tornar  colecionadora, repudiando qualquer um que não tivesse escrúpulos o bastante para se apiedar de uma pobre criatura indefesa e poupá-la de uma morte estúpida, indo terminar seus dias espetada num pedaço de isopor. Preferia admirar as borboletas em liberdade, colorindo a natureza. Era quando ficavam mais belas.
Toda a sua vida fora dedicada a cuidar de bobrboletas em apuros. Se passava na rua e avistava num canteiro de jardim alguma borboleta de asas querbradas, tomava-a delicadamente nas mãos e a levava para receber cuidados médicos. Se a pobre criatura não sobrevivia, ela chorava e oferecia-lhe um enterro digno, com direito a velório e tudo o mais. Com frequência convidava amigos para que se fizessem presentes. Sabendo de suas manias, nunca recusavam, mesmo se no momento estivessem ocupados com outras coisas..
Assim, foram aos poucos aprendendo a amar as borboletas. A relação de amor que a amiga tinha com essas criaturas tão delicadas muitas vezes deixava a todos comovidos. Não raro choravam a valer nos enterros, e alguns até recitavam poesias; já outros cantavam acompanhados de instrumentos musicais. Quando a cerimônia tinha fim, despediam-se todos, mas sabendo que em breve outra borboleta seria sepultada.

Código secreto

Helena olhou o telefone e descobriu que tudo o que mais queria no momento era ouvi-lo tocar: três toques, era a senha. Não precisava atender. Saberia que Eduardo estava à sua espera, do outro lado da rua.
Nada, porém - e ela inquietou-se ainda mais. Algo diferente havia acontecido, algo que não estava nos planos. Eduardo sempre fora pontual em seus compromissos, ainda mais aquele; não entendia por que se atrasara. No casamento da prima fora o  primeiro convidado, chegando à igreja antes mesmo que os noivos. Foi por causa de sua pontualidade no emprego que concederam a ele a importante tarefa de abrir e fechar a loja - assim não haveriam atrasos.
Muitas vezes Helena ralhara com essa mania, o que ela chamava de "esquisitisse"; a eficiência de Eduardo era quase submissão. Ele, no entanto, nanca mudara, tornando sua mania um hábito.
Agora haviam-se passado cinco minutos desde que o telefone permanecera mudo. Helena aproximou-se da janela da sala. Procurou, procurou, procurou. Nenhum sinal de Eduardo à vista, sequer vestígios de que estivera ali. Voltou a fazer companhia ao aparelho. Minutos depois estava roendo as unhas. Nunca tivera esse hábito antes. Sua mãe era quem roía as unhas frenéticamente quando tinha o pressentimento de algo, não ela.
Preferia não pensar no pior. Não, isso não. Talvez ele apenas estivesse preso num congestionamento dentro de um túnel, onde celulares não pegavam; ou talvez estivesse numa loja qualquer... comprando flores para ela!
Por mais otimistas que fossem, nenhuma dessas hipóteses pareciam prováveis. Deus!, o que havia acontecido?
Oculto atrás de um poste, Eduardo a observava. Não tinha coragem de se mostrar ou de enviar o código que haviam criado para driblar a vigilância do pai de Helena. Seu coração havia se apaixonado por outra.

Abracadabra

Ele precisava estudar, as provas começariam no dia seguinte e ele nada sabia além do pouco que lembrava das aulas de biologia: gene, DNA, mutação - apenas palavras soltas que não lhe serviriam para muita coisa. Mas o livro enorme o desanimava; sentia um bocejo se aproximando só em pensar na quantidade de páginas que teria de ler. Por que as coisass tinham que ser tão complicadas quando o que ele mais queria era justamente uma fórmula para descomplicá-las? Se magia existisse, tudo seria resolvido com um simples  abracadabra."Abracadabra!" - e a escola desapareceria para sempre. "Abracadabra!" - e as provas não seriam mais necessárias. "Abracadabra!" - e todo dia seria dia de algum santo, assim nunca mais haveria aula. Mas ali estava o livro detestado, a sua cama, o seu quarto. "Abracadabra!" - e o menino adormeceu com a cara entre as páginas.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Fada madrinha

Ela é o tipo de criatura encantada que pode realizar os desejos mais íntimos do seu coração, o que faz dela a mais bobalhona de todas. Sempre sacudindo seu condão, atende a todos prontamente como um caixa eletrônico. Não importa o que você possa pedir (se um foguete, um barril ou uma caixa de sapatos), a boboca lhe atende sem restrições.
Ela nunca tira férias e sua mais remota lembrança de algo semelhante não deve ter passado de sonho. Trabalhando vinte e quatro horas por dia, nunca lhe sobrara tempo para cuidar de coisas pessoais, como arranjar um marido, por exemplo. Já comentam por aí que a pobrezinha nunca mais desencalha.
E quem, afinal de contas, pensaria em casar-se com uma fada que anda para cima e para baixo o tempo todo, sempre ocupada em atender um pedido aqui e outro acolá? Talvez ela ficasse mais tranquila se pudesse atender a todos os pedidos por fax. Mas no Reino Encantado as coisas não funcionam assim. Lá tudo é à moda antiga. Então ela tem que atender a todo mundo in persona mesmo.
Aposentadoria nunca lhe passou pela cabeça. Quem resolveria a tantos problemas de coração partido, dívidas e salários atrasados? E de fato é quase inaceitável outra criatura mágica ocupando seu lugar. Imagine que trapalhada não faria um ogro ou um trol !
Talvez porque sinta prazer em ser útil ela nunca pretenda abandonar a profissão. Pelo modo como é tão prestativa, não é difícil imaginar que sente alegria pelo que faz., afinal ela não só é uma simples realizadora de sonhos, mas também uma entregadora delivery de felicidade. 

Se minha gata falasse.

às vezes eu olho para minha gata e me pergunto o que ela diria de mim, se falasse.Talvez saísse espalhando por aí o quanto sou uma criatura grudenta, podendo mesmo se tornar insuportável. Não nego que isso não seja verdade. Sou assim com as pessoas também. Não consigo me doar pela metade ou apenas três quartos de tudo o que tenho. Sentiria remorsos em saber que ainda restou algo em mim que poderia doar. Quero sempre me entregar, abrir os braços e saltar no precipício de olhos vendados. Se estou fazendo o que é certo ou não, pouco importa. O que eu não quero é morrer engasgado com algo que poderia ter feito e não fiz.

Adeus

Fiquei sabendo que daqui a um ano o mundo vai acacbar. Isso muda muita coisa. E eu que tinha tantos planos! Agora vivo como se fosse a última vez. Estou agora me despedindo do céu nublado que vejo pela janela, do café quente exalando vapores, do pão fresco sobre a mesa. Me despeço dos dias alegres e tristes, das faces que nunca mais verei, dos risos, das vozes, do calor e dos cobertores. Adeus!