Para Michele Oliveira.
Uma vez ela me perguntou se fadas existiam. Eu não sabia como responder a uma criannça de seis anos sem decepcioná-la. Não podia destruir suas fantasias, mas também não achava certo fazê-la acreditar em mentiras. Não, eu não acreditava em fadas (definitivamente não), assim como também não acreditava em anjos e Reino Encantado. Sei o que você deve estar pensando agora: "Seu monstro!" Sim, eu sou um monstro. Mas pergunte a si mesmo: você ainda acredita nas mesmas coisas quando criança? Ainda acha que uma fada virá buscar seu deite de leite debaixo da cama e deixar uma moedinha ali como recompensa? Todos nós abandonamos nossas fantasias infantis quando começamos a ocupar nossas cabeças com o primeiro amor, o casamento, os filhos, as dívidas. Esse mundo quimérico aos poucos vai-se apagando, até restarem apenas as cinzas da lembrança.
Uma dia eu acreditei em ogros, gnomos e duendes; acreditei em Papai Noel como qualquer outra criança, e uma vez até lhe escrevi uma cartinha, porém nunca fui atendido. Morria de medo do escuro, porque achava que era onde morava o bicho Papão. Qualquer luz apagada era uma deixa para ele atacar. Apavorava-me pensar que dentro do meu guarda-roupa pudesse residir um monstro horrendo, esperando para me atacar na hora mais vulnerável: quando eu estivesse dormindo.Papai e mamãe tiveram boa parcela de culpa nisso. Quando não tinha sono e queria ficar acordado até tarde, lá vinham eles com as intimações: "Olha, cuidado que o bicho Papão pega criança que não quer dormir cedo!" Eu estremecia dinate dos olhares sugestivos que me lançavam.
Não iria fazer o mesmo àquela menininha. Ela precisava saber que no mundo existiam coisas reais e coisas inventadas, e que para o bem de todos era melhor viver no mundo real, porque as coisas inventadas poderiam ser perigosas.Mas ela não quis me dar ouvidos. Bateu o pé, cruzou os braços e inflou as bochechas com todo o ar que lhes cabiam. "Fadas não são ruins", contra-argumentou ela." E no ReinoEncantado tudo é mais bonito. Lá não tem poluição, nem assalto, nem morte. Ninguém lá precisa ter medo de acidentes, porque lá não tem trânsito - aliás, ninguém lá precisa de carro, porque todo mundo tem asas. Não existe fome, porque a comida é de todo mundo. Não existe guerra, porque não existe motivo para não existir paz. As crianças duendes não precisam se preocupar em sujar as mãos na terra, os pais delas até incentivam que cavem buracos. Quando a noite vem, ninguém fica triste. Todo dia é uma festa."
Tive que me render aos fortíssimos argumentos daquela menina. Às vezes é muito melhor viver mergulhado num mundo de fantasias do que viver reclamando da vida ou dos infortúnios. As crianças são privilegiadas por ainda não terem experimentado a vida adulta. Quem dera eu ainda fosse criança. Mas minhas fantasias foram destroçadas pela dura realidade das coisas que existem no mundo que existe.

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