sexta-feira, 29 de abril de 2011

Como passe de mágica

Fico pensando comigo, pensando, pensando... Como seria maravilhoso se tudo o que desejássemos, pudéssemos ter em mãos - como num passe de mágica. Todas as coisas tristes desapareceriam do mundo. Não haveriam mais guerras, nem mortes ou assaltos. As pessoas seriam mais gentis consigo mesmas e com a natureza, aprenderiam a preservar as coisas boas da vida. Deus ficaria feliz  com todo mundo e faria chover purpurina.
Queria eu poder, com um simples estalar de dedos, tornar todas as coisas possíveis. Faria mamãe parar de pegar tanto no meu pé: menino, não faz isso! menino, não faz aquilo! Olha a chuva, manino! Vai pegar um resfriado! Também faria algumas coisas desaparecerem - como o dever de casa, por exemplo. Agora ele está ali, sobre a mesa, olhado para mim com cara feia. Fique sabendo que não tenho medo de cara feia não, viu? Mostro minha língua para ele. Sei que mamãe reprovaria essa atitude. Ela diz que isso é coisa de menino sem educação; menino direito não faz coisas como mostrar a língua, erguer o dedo do meio ou dizer palavrões. Bem, mas ela não está aqui para saber o que fiz.
Mal acabo de pensar nela e já ouço sua voz, vinda de algum distante lugar. Está dando uns carões em minha irmã. Mamãe vive fazendo isso, dando carões nas pessoas (mesmo nos adultos), é quase um hábito seu. Ela nunca vai se conformar com o namoro da filha. Mas não pode fazer nada além de gritar, como está fazendo agora. Sua voz é esganiçada. Tenho pena de minha irmã. Mas, por um lado, admiro-a. Não é qualquer um que teria fibra para aguentar tanto desaforo calado, isso é demais até para um filho. Eu já teria me alterado e feito alguma besteira.
Ouço passos se aproximando. Sei que é mamãe, pois ela tem uma cadência única em seu caminhar, batendo firmemente os calcanhares no chão, acho que para melhor intimidar.
Intimidar... Essa é a sua técnica para tudo. Às vezes, confundo-a com um general. Em casa, sinto-me numa base militar. Suas ordens devem ser obedecidas à risca, do contrário...
Sinto sua presença cada vez mais forte. Ela é como uma sol, irradiando calor a quilômetros de distância. Sua mão toca a maçaneta, gira-a vagarosamente. A porta range nas dobradiças.
Mais que depressa, corro para os meus livros e cadernos, finjo que estou empenhado no dever de casa. Ela olha, dá um sorrisinho sem mostrar os dentes, como se dissesse " muito bem, continue na linha", e vai embora. Volto para a janela e continuo observando a cinzenta paisagem urbana, pensando, pensando...

Difícil entender

Já disse, não quero nada no meu aniversário. Mas parece que ela não entendeu muito bem o recado. Agora está preocupada com o que me dar. Já pensou em gravatas. Odeio gravatas. Pensou também em um par de meias e um conjunto de cuecas. Todas essas coisas, tenho aos montes, entulhadas nas gavetas, espalhadas pelo quarto. Vou ficar bem sem elas.
 - Então diga o que queres, homem! Se não diz o que queres, morro de aflição.
Já disse o que quero, então pode ficar sossegada. Não vou ficar ofendido se não receber nada dessa vez, pelo contrário. Todo ano ganho alguma coisa de você e do pessoal, que também sempre anda preocupado em  agradar. Presentes são bobagens. Apenas um sorriso, uma abraço ou mesmo um tapinha nas costas me bastam. Me bastaria um "Parabéns!", sem festas ou griatarias.
 - Mas isso não é presente, homem. Diga de uma vez o que desejas, qualquer coisa. Não sou sovinas.
Tudo bem, querida. Já que você insiste tanto, vou lhe dizer o que quero: deixe-me quieto, estou cansado, preciso dormir.

quarta-feira, 27 de abril de 2011

O sufoco de uma adolescente para não perder a hora

Para minha irmã, que hoje acordou e descobriu que tinha perdido a hora de ir para o colégio.


Mais uma vez ela se atrasara para a escola. O pai havia lhe prometido um novo despertador, pois o que possuía constantemente lhe deixava na mão: ora despertava demasiado cedo, ora tarde demais; daquela vez o alarme sequer havia soado. Despertara-se uma fera, determinda a não perder mais aquele dia de aula. Xingou alto, atirou coisas no chão, como se tais gestos abruptos bastassem para reverter a situação em que se encontrava. Porém nada parecia funcionar, tudo contribuindo para deixá-la ainda mais nervosa. A mãe dizia que a menina tomava café demais; aquilo lhe estava atacando os nervos, que por si só já eram fragilizados. A menina, por sua vez, defendia-se: o que, afinal de contas, a mãe estava querendo dar a entender com aquilo? Não era esquizofrênica! Porém a verdade revelava-se totalmente outra. Quanto mais transcorriam as horas, mais incontida ela se tornava. Quebrava coisas. Falava alto. Batia os calcanhares contra o chão. A mãe lhe dava um puxão de orelha. A menina se continha por alguns instantes, mas logo descontrolava-se.
Naquele dia ela precisava, de qualquer maneira, ir à escola; que chovesse adagas, que a cidade fosse invadida por um furacão - precisava estar na escola no horário previsto. Não que algo especial, como um provão ou alguma atividade de maior relevância, fosse acontecer. Havia perdido muitas aulas. Não era uma aluna desinteressada, como a maioria de suas colegas, e aquela falta estava lhe deixando aflita. Há dias o pai vinha lhe prometendo um novo despertador, porém nunca cumpria sua promessa. Isso a exasperava. Quando ia cobrá-lo, mais ainda ele protelava sua dívida.
Mesmo atrasada, a menina arrumou-se como num dia qualquer. Vestiu seu uniforme escolar. Penteou os cabelos. Usou mequilagem. Olhou-se uma última vez no espelho e saiu apressada.

terça-feira, 26 de abril de 2011

De olhos fechados

Uma vez me perguntei até onde a força humana era capaz de lançar uma pedra. Apanhei uma pedra de riacho e fiz eu mesmo um teste: concentrando todas as minhas forças, lancei-a o mais longe que pude. Bom, ela não foi tão longe assim; ricocheteou algumas vezes na superfície espelhada da água e depois afundou poucos metros adiante de mim. Confesso que fiquei decepcionado, mas não desisiti de alcançar meu intento; apanhei outra pedra e lancei-a o mais longe que pude. E, mais uma vez, não tive sucesso.
Voltei para casa frustrado e envergonhado de minha limitada capacidade como homem. Não jantei. Fui direto para o quarto, tranquei-me e adormeci. Não tive sonhos.
Na manhã do dia seguinte, acordei e tomei o meu café como se o dia anterior não tivesse havido. Queria trabsformá-lo num borrão, apagá-lo de minha história.
Foi quando me bateram à porta. Estava mastigando um pedaço de pão e olhei o relógio: era cedo para ser incomodado, mas ainda assim fui atender ao chamado. Nada encontrei além de uma bola de papel amassado jogada no chão. "Moleques!", gritei para o nada.
Em seguida, tomei o embrulho nas mãos. Ele pesava mais que o normal. Abri-o, então, e lá dentro estava uma pedra. Li o bilhete rabiscado no papel:

"Feche os olhos
e acredite."

De imediato, não entendi as palavras ocultas naquela mensagem enigmática. Porém desconfiava que tivesse algo a ver com o que acontecera no dia anterior. A pedra envolvida no papel tinha uma assombrosa semelhança com a que eu havia atirado no riacho.
Só nas últimas horas do dia foi que voltei ao richo, mas não sem antes relutar um bocado. Não queria novamente provar de meu fracasso.
A princípio, fiquei apenas sentado à margem do riacho, comprimindo a pedra que aos poucos ia aquecendo-se na palma de mina mão.
"Feche os olhos e acredite". Não parava de pensar naquele bilhete esquisito. O pôr do sol descortinava-se à minha vista, enquanto minha cabeça divagava. Experimentei fechar os olhos, como recomendava o bilhete. Mas em que deveria acreditar? Deixei que o som do vaivém da correnteza embalasse meus pensamentos.
E foi então que entendi, entendi tudo. Uma chama de auto-confiança novamente ardia em meu espírito. Levantei-me e apertei com maior segurança a pedra em minha mão. De olhos fechados, lancei-a para longe. Daquela vez, havia conseguido. 
  

"Obrigado, Senhor!"

"Somos todos ingratos!", li certa vez esse trecho não lembro mais onde. Bom, não importa. Importa que agora ele me levou a refletir melhor sobre alguns aspectos da vida, me fazendo enfim enxergar que tal afirmativa não tem valor algum. Sim, porque há muitas maneiras de se demonstrar gratidão, não apenas usando-se de palavras. O simples ato de respirar é tembém ato de gratidão. Quando enchemos nossos pulmões de ar e  o exalamos, é como se estivéssemos dizendo:"Obrigado, Senhor!", mas de um modo que só os anjos conseguem entender.

Mascando chiclete

Desde quando éramos molecotes arruaceiros, mamãe nunca permitiu que mascássemos chiclete; que disséssemos algum palavrão, vá lá, mas mascar chiclete - nunca! Seu argumento infalível era que, quando mascávamos chiclete, parecíamos jumentinhos mascando capim; além do mais, ela não suportava aquele barulhinho irritante de borracha que a mastigação produzia: nhéc, nhóc, nhéc, nhóc. Irritava-se logo e metia um safanão em  quem quer que estivesse mascando o detestavael chiclete em sua presença.
Receosos de que fôssemos pegos, mascávamos chiclete na rua, às escondidas. Éramos doze, ao todo, e juntos formávanos uma espécie de sociedade secreta - como os Cavaleiros da Távola Redonda, só que em maior número.
Nosso segredo só era revelado com a ida ao dentista. Ele, de lanterninha em punho, examinhava nossa boca cutucando nossa língua com um palito de picolé; fazia umas caretas que os médicos fazem quando descobrem que algo não vai bem e sentenciava :"Este gurio tem cáries". Mamãe nos lançava aquele olhar que conhecíamos tão bem.
Depois da consulta com o dentista, morríamos de medo de voltar para casa, pois sabíamos - ah, e como sabíamos! - que a maior surra de todas as nossas vidas nos estaria aguardando.
Porém não tomávamos jeito nunca. Mal nos curávamos das pancadas e beliscões que mamãe nos dava, estávamos reunidos novamenste para mascar o bom e velho chiclete.
E aos poucos nossa sociedade foi crescendo, agregando os novos garotos que chegavaam ao bairro, de modo que nos tornamos uma organização tão complexa, que nem mesmo mamãe (ou a polícia) era capaz de frear nossos atos ilícitos.

domingo, 17 de abril de 2011

Um cara bacana

Na minha memória a imagem de meu avô materno sempre se conservou como um fantasma, uma sombra a bem dizer indistinguível num passado nebuloso. Nunca o cheguei a conhecer pessoalmente. Por uma tragédia do destino, vovô partiu-se desta vida antes que eu viesse a descobri-la. Todas as informações que tenho dele, portanto, são apenas relatos - e dos mais sombrios.
Por mamãe eu soube que ele era um bêbado. Poucas eram as vezes em que estava sóbrio para fazer um carinho na filha. No entanto, era de minha mãe que ele mais gostava. Quando estava doente e precisava de ajuda com os remédios, era a ela que ele procurava. Com sua maneira ríspida de tratar as pessoas, mandava que ela fosse à farmácia ou ao mercadinho de seu Carlito - e que segurasse bem firme o dinheiro, do contrário levaria uma surra que nunca mais esqueceria. Mamãe então apertava tão firme as moedinhas que vovô lhe confiava, que depois não conseguia mais libertar os dedos. (Certa feita, ao atravessar a rua, um carro surgido não se sabe de onde atropelou mamãe, jogando para longe seu corpinho magricela. Vovô, que acompanhava tudo da varanda de casa, prontamente acudiu a filha, mas para constar se ainda guardava o dinheiro que lhe confiara. Milagrosamente, mamãe apertava as moedinhas na palma da mão direita.)
Da parte de minha avó eu soube que ele era um brigão. Às vezes, quando estava bêbado, batia nela.
Uma das coisas que mais detestava era "o povo da igreja". Esse ele queria ver de longe, assim como o diabo quer ver distância da cruz. Vovó até que tinha esperanças de converter ele, mas o coitado morreu antes que pudesse ajeitar a vida. Mamãe acredita que agora ele esteja no Inferno, jogando baralho com o Satanás.
Como eu disse anteriormente, não cheguei a conhecer vovô pessoalmente. Mas, se o tivesse conhecido, não o julgaria assim, tão precipitadamente. Talvez houvesse existido alguma coisa boa dentro dele, é que ninguém se importou em procurar. Talvez mesmo ele fosse um cara bacana.

Sol e chuva

Embora detestasse os dias de chuva, Berenice ficava contente quando estes eram precedidos por um lindo e radiante sol de verão. Não ficava contente por si mesma, mas por alguma viúva que estaria subindo ao altar àquela hora. Segundo o que se dizia, quando um dia de chuva era precedido por uma manhã ensolarada, era sinal de que  uma viúva estaria reatando laços matrimonias. Que bom para ela! Berenice sentia-se feliz, mas torcia para que a chuva fosse logo embora, pois anciava por retornar às suas briancadeiras e peraltices de menina

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Livros e solidão

Era uma tarde de quarta-feira e, como de costume, eu me entregava aos prezeres de uma boa leitura, desfrutando da calorosa companhia de meu querido Fran Martins. Inesperadamente, entrou na biblioteca uma senhora de meia-idade e ficou rondando as prateleiras. Não liguei atenção à sua pessoa, de modo que não posso precisar ao certo  se a mulher usava calça jeans  ou se seu cabelo estava desgrenhado - essas fuilidades que geralmente nos prende a atenção quando não temos nada mais importante para fazer do que ficar reparando nos outros. Eu tinha muito o que fazer, portanto o que acontecia ao meu redor pouco importava; acredito até que, se caísse um aeroplano sobre aquela biblioteca, eu morreria agarrado ao livro do Fran Martins  e iria para o céu tranquilo, se Deus me permitisse levá-lo comigo. Caso me  negasse, eu daria meia-volta e aceitaria o inferno de bom grado, desde que me reservassem um cantinho para ler o autor querido. ( Sim, já me disseram que minha paixão pelo Fran é doentia. Bom, eu não ligo. Esse é um câncer que gostaria de levar comigo ao túmulo.)
A mulher ainda rondou as prateleiras por um longo período de tempo. Via-se que tinha gostos literários refinados, pois vasculhava as lombadas da ala reservada aos clássicos. Retirando um grosso volume, finalmente foi-se sentar na cadeira diante de mim, porém não o lera. A mulher ficou me encarando por um bom tempo, até que me fez uma pergunda indiscreta. Queria saber se eu era casado. "Não", respondi. Não era casado. Voltei à minha leitura, achando que enfim havia aplacado a curiosidade da mulher. Porém estava enganado. Logo em seguida ela me flechou com outra pergunta, direta, sem rodeios. Queria saber se eu tinha namorada. Não, também não tinha namorada.
"Que pena!", disse ela então. "Um rapaz tão moço..."
Eu não lhe tinha revelado minha idade, porém não era preciso possuir uma bola de cristal para se chegar a uma conclusão tão óbvia. Estava tudo na minha cara... ou nos meus olhos, para ser poético, embora eu nunca tenha sido capaz de revelar a idade de alguém apenas olhando-o nos olhos.
"Mas era de se desconfiar", continuou a mulher, não dando vez para que o assunto morresse. "Gente que vive metida com a cara nos livros é sempre solitária."
Meu dia, que até então estava indo bem, de repente  ficou nublado. Quem aquela fulana estava pensando que era para falar comigo daquela maneira? Não tive cabeça para mais nada. Retirei-me da sala, carregando debaixo do braço o Fancisco.
Em casa, não tive apetite para o jantar. Tranquei-me no quarto e fiquei pensando no que a estranha me dissera ainda mais cedo: "Gente que vive metida com a cara nos livros é sempre solitária..." Que absurdo! A mulher não fazia ideia do que estava falando. Provavelmente estava bêbada ou era mais uma daquelas ignorantonas que se achavam donas de todo o conhecimento e de toda a verdade.
"Que absurdo!...", pensei comigo, e fui ao armário onde havia guardado o livro de Fran Martins, "Mar Oceano". Lancei-me na cama e retomei a leitura de onde a havia interrompido. No quarto silencioso, reinavam a paz, a noite e a solidão.

terça-feira, 12 de abril de 2011

Por uma boa causa

Mariana desconfiava que o namorado a estivesse traindo. De uns dias para cá, havia-o notado cada vez mais atencioso, mandando-lhe flores diariamente, acompanhadas de bilhetinhos apaixonados. Só podia estar enrolado com alguma outra e agora remoía-se de culpa! Mas se pensava que iria enganá-la com alguns agradinhos bobos - ah, mas estava muito enganado!
Mariana decidiu que deveria  investigar mais a fundo a vida do namorado, seus antecedentes e qualquer outra coisa que pudesse incriminá-lo. Ia regularmente ao seu trabalho, a pretexto de matar saudades, e enchia-lhe de perguntas: A que horas voltaria para casa? O que faria depois do expediente? Por que não aproveitavam para darem um passeio? A noite prometia ser agradável.
Agora era Reginaldo quem estranhava: sua namorada estava ficando louca! O que faria agora para palacar aquela mulher? Dava desculpas. Não podia sair a passeios, estava exaurido pelo trabalho. Deixassem para o final-de-semana, então poderiam pegar um cinema.
Mariana não compreendia. O namorado nunca se recusara a nada antes, e só então vinha com aquelas esquisitices, alegando indisposição que nunca tivera. Antigamente, estavam sempre em concordância com tudo, e agora aquela dissensão. O namorado tinha outra. Sim, a outra estava roubando todo o tempo que era seu.
Um dia resolvera meter Reginaldo contra a parede, exigindo que confessasse sua culpabilidade.
O namorado esquivou-se o quanto pôde, mas no final acabou entregando os pontos: tinha sim uma namorada, e ela se chamava Beatriz.
Porém aquilo não bastava. Mariana queria mais, queria saber onde a rapariga morava, qual o número de seu telefone.
Reginalndo mentira sobre tudo, desde o início, afirmando que tinha uma amante. Dera um endereço qualquer para Mariana e um número de telefone inexistente. Mentira por uma boa causa. Ao menos a namorada agora estava satisfeita.

Segunda-feira

Hoje é segunda-feira e não há nada que a torne diferente da segunda-feira anterior. Às nove horas já estou desperto, porém indisposto a levantar-me da cama. Passo mais algum tempo deitado, meio que indeciso quanto ao que fazer das horas livres que terei ao longo do dia. Talvez leia um livro ou escreva alguma coisa. Talvez assista a um programa na tevê. Gosto de desenhos animados, eles me fazem rir um pouco - ao contrário dos telejornais, sempre carregados de novidades trágicas. Hoje eu não quero saber a quantas andam a guerra no Oriente Médio. Pouco me interessa saber quem matou quem a quantas facadas, ou o que será dos japoneses, depois de terem sofrido enorme tragédia. Não me leve a mal, é que prefiro estar à parte de tudo isso. Também não suporto ver meus irmãos combatendo-se em guerras, enquanto aqui estou de camarote, assistindo a tudo pela tevê.
Sei que esta segunda-feira será como as demais outras. Daqui a pouco estarei de pé, olhando minha cara enrugada no espelho do banheiro. Enquanto escovo os dentes, estarei pensando em coisas que poderia ter feito e deixei de lado; estarei pensando em meus erros, querendo voltar ao passado e consertar coisas quebradas,. Quando criança, eu mesmo consertava meus brinquedos quebrados - não ficavam tão bons quanto antes, mas voltavam a funcionar. Queria poder fazer o mesmo com as coisas da vida.
Daqui a pouco estarei tomando meu café amargo, deglutindo o pão adormecido. E meus pensamentos continuarão vagando por caminhos ermos, até que finalmente a encontrarão. Este, ultimamente, tem sido o único lugar onde posso encontrá-la novamente, abraçá-la mais uma vez; dizer que a amo e que morreria por ela, morreria para que vivesse um pouco mais feliz. Reconheço que errei - errei muito -, e a única coisa que peço é a chance de me retratar. Mas é tarde, demasiado tarde para pedir perdão. Meus erros a magoaram e agora ela se fechou em seu casulo, seu mecanismo de auto-defesa contra as coisas da vida. Seu mundo não mais me pertence. Perdi seu coração.
Já não mais tenho certeza de nada, anão ser de que hoje é segunda-feira, um dia como qualquer outro. Estou deitado em minha cama, contemplando os buracos em meu teto. Daqui a pouco vou levantar. Daqui a pouco vou tomar meu café. Talvez assista a alguma coisa na tevê, se vontade me der. Caso contrário, estarei lendo ou escrevendo alguma coisa.

segunda-feira, 11 de abril de 2011

Promessas não cumpridas

Há tempos ele vinha prometendo a si mesmo: farei isto amanhã. Porém nunca estava disposto a cumprir com suas promessas; ia protelando compromissos indiscriminadamente, despreocupado com a vida. Precisava reencontrar a mãe, que se achava adoentada e asiava por vê-lo antes que sua hora fosse dada, porém não achava que o estado da mãe fosse se agravar de um momento para o outro; a velha era forte, podia esperar. Mas não houve mais tempo: a mãe partira-se desta para melhor antes que reencontrasse o filho. E com o peso da morte da mãe na consciência, o filho martirizou-se e fez um última promessa: não faria mais promessas. Porém não estava com dispoição para cumprir com promessas naquele dia, de modo que protelou seu dever para o dia seguinte. E assim foi protelando, dia após dia, até que um dia a morte lhe viera pedir as contas. No Paraíso, encontrou a mãe, que estava feliz em revê-lo. Abraçaram-se intensamente. Ao menos uma das promessas havia sido cumprida, embora que tardiamente.

domingo, 10 de abril de 2011

Quando eu for um menino grande

Detesto essa vida de criança. A gente nunca pode fazer o que quer,enquanto que os adultos ficam com a melhor parte de tudo. Eles sim podem fazer o que quiserem: andar de ônibus, sacar dinheiro do banco, assistir à filmes proibidos para pirralhos... Criança nunca pode fazer o que quer; há sempre horário pra isso, horário pra'quilo; escola, dever de casa... Mas quando eu for adulto isso vai mudar. Aí sim eu vou poder ficar acordado até tarde e vou arranjar uma namorada... Não, uma só não: talvez duas ou três. Também quero filhos aos montes, mas não irei tratá-los como mamãe e papai me tratam. "Nada de regras!", essa é a regra. Sorvete e chocolate todos os dias.Filmes de terror altas horas da noite. Escola? Nem pensar! Só mesmo o vidão bom. É o que toda criança merece.
Quando eu for um menino grande, desses que têm barba na cara, vou me candidatar à presidência do mundo. E minha primeira atitude em cargo tão importante seria criar uma nova lei mundial, proibindo os homens de fazerem guarras; caso essa lei não fosse acatada, a sentança para o infrator seria dura: muitas cócegas, para lhe ensinar como a vida pode ser boa, se a gente sorri. Também declararia terminanatemente proibida a devastação da Floresta Amazônica e de qualquer outra floresta que estivesse correndo algum perigo. Juntamente com essa delaração, haveria um anexo tratando do direito das árvores, das pedras, dos animais (principalmente do urso panda) e do ar. Por fim, minha última decaração diria respeito à formação de uma irmandade universal entre todas as raças e crenças religiosas, extinguindo-se, desse modo, de uma vez por todas, qualquer tipo de desentendimento e preconceito entre as pessoas. Seríamos felizes, como uma grande e abastada família.
Por eu ainda ser criança, talvez você não dê muito crédito ao que ndigo. Tudo bem. É típico dos adultos uma coisa assim: ignorar o que as crianças pensam, o que querem da vida. Os adultos acham que somos bobocas. Para eles, nunca iremos evoluir.
Eu não ligo que não acreditem em mim. Não ligo que me achem maluco. Estou certo quanto ao que quero, e isso é o que basta.

quinta-feira, 7 de abril de 2011

Primeira convicção

Quando pequeno, eu era uma criatura muito magrinha, as roupas em mim sempre caindo como um saco de batatas. Quem me via na rua sentia pena, imaginando as inúmeras privações a que me submetia. Por isso, não raro eu ganhava das pessoas presentes como: sapatos usados, meias que ninguém mais queria, roupas rasgadas mas que podiam ser reparadas com um ponto de costura aqui, outro acolá... Vovó era especialista em reparar  as coisas velhas que eu levava para csa. Mamãe, ao contrário, não gostava da ideia que faziam de seu menino: eu não era um menino perdido, tinha casa onde morar, cama onde dormir e uma mãe que me amava. Ninguém nunca duvidou disso, afinal todos me conheciam no bairro, mas mamãe era sempre do contra.
Apesar de ser magrinho, eu tinha uma cabeçorra enorme. As pessoas sempre se admiravm do modo como eu conseguia equilibrá-la sobre meu pecoço fininho. Alguns até aguardavam o momento em que eu não a suportaria mais e deixaria que tombasse de vez.
Na rua, a primeira coisa que se vistava era meu cabeção. Então todo mundo ria. Devo admitir que, na época, aquilo me deixava ofendido. Hoje, no entanto, reconheço que não havia como minha aproximação provocar outra reação nas pessoas.
Além das roupas e dos sapatos que nunca me cabiam, também não havia chapéu que cobrisse minha cabeça. Aí eu realmente ficava fulo da vida, porque gostava mesmo de chapéus. Queria me tornar parecido com Airton Sena, porém meu cabeção não permitia.
Certo dia perguntei para mamãe por que tinha nascido daquele jeito. Não compreendia a razão de as demais crianças serem normais, enquanto que eu tinha aquela bola de basquete em cima do pescoço. Ela nunca me respondia, não do modo como eu queria. Ao invés disso, dizia que "se as coisas estavam tortas, então era assim que Deus queria que elas ficassem". Foi a partir desse momento que surgiu minha primeira convicção: "Deus era um cara muito mau".