sexta-feira, 11 de março de 2011

Amado casebre

Para mama. papa e mana. Todo o amor do mundo pertence a vocês.


Nos meus tempos de moleque, nunca moramos em casa de luxo - para ser sincero, sequer tivemos um teto que pudéssemos chamar de nosso; estávamos sempre em peregrinação, ora morando de favor aqui, ora de inquilinato acolá - mas incertos quanto a nosso paradeiro no dia seguinte. Não obstante esse pequeno detalhe, éramos felizes (ao menos nós, as crianças, embora nunca tenha visto minha mãe reclamar das privações a que nos submetíamos). Lembro que sempre estávamos rindo, mesmo de barrigas vazias As brincadeiras serviam como que para enganar nossos estômagos. E essas eram muitas. Não faltavam árvores em que pudéssemos nos trepar, goiabas que nos pudessem escapar, estivessem de vez ou madurinhas, postadas em galhos rasteiros ou no mais inalcansável dos galhos.
Lembro também que, de todos as casas decentes e malocas onde moramos, a que eu mais gostei fora um pequeno barraco de madeira pintada a piche que nos havia sido concedido por um colega de meu padrasto. O terreno era amplo, mas eu via muito mais que isso: aquele era um reino encantado onde eu poderia fazer minhas brincadeiras (e justamente por ser encantado, não existiam vizinhos ranzinzas para estragar tudo). Gostava de construir casinhas de madeira, e ali tive toda liberdade para expandir minha criatividade. Minha irmã mais nova consumia-se em inveja das barraquinhas que eu construía, mais ainda porque nunca permitia que participasse de minhas brincadeiras. Ela então chorava, esperneava, ameaçava contar tudo para mamãe, que eu na a a estava deixando entrar em minha maloquinha - porém  sempre me mantive irredutível, não querendo meninas em minhas brincadeiras. Seu último recurso era choramingar aos pés de minha mãe, que não resistia a seus apelos e acabava prometendo lhe construir uma cabana tão maior e mais sofisticada quanto a minha. Cumprir com tais promessas, no entanto, era muito raro, de modo que eu  não precisava me preocupar com a concorrência.
Um dia, porém - e eu não sei o que deu nela para tomar essa resolução - mamãe decidiu que iria dar início à construção da prometida casinha. Logo cedo começou a recolher os pedaços de toco e de madeira velha que se espalhavam pelo quintal. De pouco em pouco, a casinha foi tomando forma e  - ai meu Deus, como ia ser grande, espaçosa, um luxo de dar inveja! Fiquei com ciúmes. Mamãe nunca havia se interessado em construir uma casinha como aquela para mim e, de repente, ali estava, construindo um palacete para minha irmã. Comparado àquilo, a cabana de que tanto me orgulhava não passava de um casebre feio e mal construído. Para entrar dentro dele era preciso agachar-se, enquanto que na casinah de minha irmã entrava-se de pé!
Certa feita eu quis participar de suas brincadeiras; já não tinha tantos ciúmes de seu novo brinquedo e até enxergava o lado positivo de ela também possuir uma casinha: agora éramos vizinhos, e como bons vizinhos, tínhamos de viver em harmonia, como bons camaradas. Porém quando me ofereci para entrar, ela bateu a porta e gritou lá de dentro:
- Aqui só brincam meninas!
Sinto falta daqueles tempos, em que tão poucas coisas me atormentavam. Para me fazer feliz, bastavam meus brinquedos, algumas goiabeiras e um fundo de quintal onde eu pudesse correr livremente com os pés descalços. Hoje existem as dívidas, os compromissos inadiáveis, o inferno de amar, meu Deu, o inferno de amar!

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