segunda-feira, 7 de março de 2011

Família feliz

Quando a tv lá de casa quebrou, foi um deus-nos-acuda para minha irmã. O que ela faria da vida sem suas novelas? Meu padrasto também ficou em situação desesperdadora: uma semana sem assistir aos filmes policiais de que tanto gostava  parecia o fim do mundo. Mamãe não externou sua indignação, mas eu sabia que, no fundo, a tv também lhe fazia enorme falta.
Devo admitir que nossa companheira não me fez nenhuma falta (não tenho hábito de assistir televisão; prefiro me distrair com meus livros e meus escritos - a programação água com açúcar da tevê brasileira não contribuindo muito para ganhar minha simpatia). Portanto, fui o único  que não ficou largado pelos cantos da casa, abandonado ao tédio. Minha irmã, ao contrário, trancou-se por dias no quarto. Meu padrasto procurava chegar mais tarde do trabalho e mamãe tornou-se mais religiosa, passando a maior parte de seu tempo na igreja. Os raros momentos em que nos reuníamos resumia-se aos horários reservados às refeições, e mesmo assim não nos comunicávamos - sequer olhávamos pra cara um do outro. O mair diálogo que mantínhamos era:  "Me passa a manteiga?", ou então: "Onde você guardou o pote de biscoitos?"
Um dia sugeri que escolhessem um dos meus livros para lerem nos momentos de ócio. Mamãe fez cara feia; a única coisa que lia era o Livro Sagrado - nada mais. Meu padrasto alegou que estaria tão ocupado pelo trabalho que não teria disposição para nada, só  mesmo para descansar. Minha irmã foi a única que tocou no meu livro, porém nunca soube se de fato o lera.
Quando dias depois a tv voltara do conserto, foi um alegria - eu diaria até que nossa vida voltou à normalidade. Minha mãe agora ria como antes; minha irmã não reclamava tanto da vida, do quanto era tediosa; e meu padrasto retomou sua rotina normal de trabalho, voltando para casa os horários habituais. Em outras palavras, éramos novamente uma família feliz.

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