- Para com isso, Bilu!, gritou a menina para a casinha de cachorro, mas logo depois confessou, com voz de choro: "Pai, estou com medo!"
- Não deve ser nada, querida. Vamos entrar.
E entram, mas as luzes permaneceram acesas. O bandido desconfiou que a essa altura o homem estivesse discando o número da polícia. Talvez fosse melhor esperar a noite seguinte.
Mas a oportunidade perfeita surgiu antes do que ele esperva. Minutos depois, a luzes voltaram a ser apagadas e a casa voltou à escuridão inicial. Estva na hora,.
Com habilidade felina, ele foi se esgueirando por entre as árvores do quintal para escapar à visão do cachorro, que ainda assim rosnava a cada movimento seu. Tornou-se cada vez mais cauteloso, até alcançar a porta dos fundos. Entrou. Deu de cara com a cozinha. Nada de grande valor. Apanhou uma faca e ivadiu o outro cômodo, pronto para qualquerimpreviso.
A sala. Esapaçosa e cheia de coisas, como ele esperava. Sem produzir o menor ruído, foi recolhendo o que podia com as mãos e depositando na bolsa preta que havia trazido: louça fina, molduras caras, estatuetas de porcelana... Não ficou surpreso com o luxo de tudo aquilo. Sabia a quem estava assaltano. Passara semanas planejando meticulosamente o que faria, como e quando. O único imprevisto fora o cachorro, não estva ali há uma semana. Mas isso agora já não lhe constituía nenhum risco.
Passou para o andar superior. Sabia que o ricaço guardadava dinheio num cofre secreto em algum lugar do próprio quarto. Teria que usar-se de violência, se quisesse ter sucesso, pois muito provavelmente iria enfrentar resistência ao se deparar com o dono da casa. Puxou um revólver da cintura: calibre 38, sem balas. Não queria ferir ninguém, ainda mais naquela casa. A arma era só para intimidar.
Entrou no quarto. Ele estava vazio. Procurou no banheiro contíguo: ninguém; teria estranhado menos se houvesse encontrdo apenas sua mulher. Suou frio. Haviam armado uma para ele.
Procurou manter a calma. Estava armado, não precisva ter medo. Sua arma estava descaregada, era verdade, mas só ele sabia disso. Carregado ou não, sob o cano de um revólver ninguém seia louco de se meter a besta.
Saiu do quarto e começou a andar lentamente pelo corredor que dava acesso aos outros quartos. Parou diante de uma porta e etentou a maçaneta: trancada; provavelmente um quarto de hóspedes. Seguiu tateando no meio da escuridão e encontrou mais outras duas portas; também constatou o mesmo. A quarta porta, porém, estava meio centímetro aberta. Um pequeno filete luminoso escapava dessa abertura mínima. Ele aproximou-se e espionou.
O quarto era de menina. Sobre a cama, uma garotinha - e se pai ao lado, contando-lhe historinhas, enquanto a mãe, do outro lado, afagava-lhe os cabelos.
"... E o Lobo vociferou para os Três Porquinhos: se vocês não abrirem esta porta eu vou soprar, e soprar, e soprar..."
De epente, um estrondo. Diante de um bandido encapusado e de arma em punho, a pequena família se encolhe, como os Três Porquinhos diante do Lobo.
- Você, levanta aí!, ordenou o bandido para o homem de roupão. Ele obedece.
- Cadê a grana?, o bandido pergunta, apontando-lhe a arma para a cabeça.
- Não sei do que você está flando!, responde o homem do roupão, e logo recebe uma coronhada na cabeça.
A menina solta um gritinho estridente, logo sufocado pelo gesto abrupto da mãe de lhe tapar a boca.
- Eu não sei de nada!
O bandido dirige-se até a menina. Apontando a rama para sua cabeça, solta um berro que faz lembrar um gorila:
- Não me faça de idiota ou eu estouro os miolos dela! Cadê a grana?
Vendo sua filha naquela situação, a mãe perde o controle e atira-se contra o bandido. Leva uma bofetada no rosto e volta para o canto, resignada.
- Vam'bora, playboy. O que vai ser, prefere ver tua família morta?
Trêmulo, o homem de roupão limpa o sangue que banhva sua testa e levanta-se do chão.
- Está bem, venha comigo, mas deixe que minha mulher e minha filha fiquem, sugeriu ele.
O bandido ri.
- E tua acha que eu sou otário? Tá querendo me passar a perna, é? Vam'bora todo mundo de uma vez, vam'bora!
A mulher ainda estava se ecuperando do tapa que recebera. Não consegue se levantar a tempo.
- Vam'bora sua vadia!
Ela recebe outro bofetão. Esse arranca-lhe um filete de sangue do canto esquerdo da boca. Trôpega, acompanha o mrido.
No outro quarto, o homem de roupão retira um quadro da parede, revelando a porta de um cofre sobre a cabeceira da cama.
Debaixo da máscara o bandido estica os lábios, forçando um sorriso sarcático.
- Cês grã-fino são tão previsíveis! Ele havia assistido a vários filmes onde o ricaço escondia pequenas fortunas no interior de um cofre secreto, ocultado por um quadro sobre a cabeceira.
De costas para o bandido, o homem de roupão abre o cofre. Demora-se algum tempo de pé, o que faz o abandido suspeitar. Quando volta-se, saca da pistola que havia retirdo do esconderijo e despeja uma salva de balas contra o peito do homem que invadira sua casa. Não pensa, apenas vai apertando o gatilho até que não haja mais nada e tudo fique em silêncio, a não ser pelo barulhino insistente da agulha martelando: tec, tec, tec. Sente alívio e prazer em ver o bandido estirdo no chão, afogado no prórpio sangue.
***
Mãe e filha assistem à cena perplexas, os olhos vidrados na arma que o marido conserva em punho. Ao dar-se conta disso, ele abandona o pesado objeto metálico sobre a cama e vai até o bandido, toma-lhe a 38 da mão e descobre o tambor vazio. Tudo o que então consegue dizer resume-se a um quase inaldível murmúrio:
- Snto Deus!...
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